Como o verbo fatiar passou a ser utilizado com frequência nos ares de Brasília (julgamento fatiado, no impeachment de Dilma, denúncia fatiada, contra o presidente Temer), a lei, para melhor tutelar o homem, tratou também de fatiá-lo em partes condizentes com sua faixa etária. Nada a ver com o Homem Duplicado, de Saramago, cuja obra focaliza a perda da identidade de um professor na sociedade globalizada, que vê em um ator de cinema uma réplica perfeita de si mesmo.
Assim, a tutela começa no útero, com a proibição do aborto, a não ser nos casos previstos em lei; com o nascimento, a criança é alcançada pela
lei 13.257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, que compreende os primeiros seis anos completos ou setenta e dois meses de vida; também, desde o nascimento, é considerada criança até os 12 anos e depois como adolescente até os 18 anos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
lei 8.069/1990; na sequência, na faixa entre 15 e 29 anos incide o Estatuto da Juventude,
lei 12.852/2013, que trata dos direitos dos jovens e das políticas públicas da juventude; já na maioridade, por um longo período, o homem procria, trabalha e poderá ampliar ainda mais o período laboral para atingir a aposentadoria; ao completar 60 anos de idade, vem cingido pelo Estatuto do Idoso,
lei 10.741/2003, que lhe confere uma somatória de direitos, compreendendo os já conquistados e os agora afirmados. Mas a proteção vai além, em razão da longevidade atingida e a vulnerabilidade reconhecida. A
lei 13.466/2017, recém-aprovada, altera e dá outra configuração ao Estatuto do Idoso ao criar uma nova categoria acima de 80 anos de idade, inserindo-o no rol de absoluta prioridade em comparação com os demais idosos, não prevalecendo a preferência somente em casos de emergência.
Não é demais concluir que toda pessoa humana, embora seja diferenciada pela sua faixa etária, contém, na sua imensa grandeza, o sentido do próprio universo assim como é depositária de todo valor da humanidade. Cada um passa a ser, na realidade, o todo e nãoparte do todo. Desta forma, com tal desiderato, o homem deve se organizar em todas as etapas de sua vida para buscar o espaço que lhe seja mais conveniente e digno de sua condição, para se aproximar do Supremo Bem, assim referido por Aristóteles ao propor o caminho da realização e perfeição.
Mas, o corpo vai experimentando as vicissitudes do tempo e carregando as marcas que apontam sua vulnerabilidade. Faz lembrar o relato feito pelo imperador Adriano a Marco, de forma sincera e realista, na obra de Yourcenar: "Esta manhã, pela primeira vez, ocorreu-me a ideia de que meu corpo, este fiel companheiro, este amigo mais seguro e mais meu conhecido do que minha própria alma, não é senão um monstro sorrateiro que acabará por devorar seu próprio dono"1.
Na realidade, se o país tivesse sido culturalmente preparado, não se valeria de lei, principalmente para proteger as extremidades da vida, compreendendo seu início e seu final, justamente os polos mais vulneráveis. É certo que se todos são iguais perante a lei, os mais novos e os mais velhos, no entanto, em razão de sua mais tenra e derradeira idade, necessitam de um plus diferenciador para que sejam tabulados na igualdade. Tanto é que o Direito mundial atual desenvolve uma cultura diferenciada com o intuito de proteger o indivíduo no âmbito da sociedade e a preocupação de proporcionar a ele uma vida maisdigna, com qualidade e conteúdo, no caminho da realização pessoal, profissional e familiar, em qualquer que seja sua faixa etária, com preferência primordial àqueles que já tenham percorrido por mais tempo um longo caminho.
Desta forma, em razão da longevidade que se faz presente na população brasileira, o octogenário passa a ter prioridade até mesmo entre os considerados idosos que não atingiram ainda este marco, a não ser, é claro, em caso de absoluta emergência de saúde. De acordo com o andar da carruagem, se continuar prevalecendo o critério etário, logo nova lei deverá ser editada para a proteção do nonagenário. E assim por diante.
Um brinde à vida...