*Joacir Rufino de Aquino
Ao longo do processo de formação da economia brasileira a grande propriedade baseada no trabalho assalariado despontou como modelo politicamente reconhecido. Foi ela também quem recebeu os maiores estímulos da política agrícola baseada no crédito rural farto e barato que, a partir da segunda metade dos anos 1960, procurou modernizá-la e assegurar sua reprodução social. Em contrapartida, o maior segmento da população rural do país, formado pelos produtores que trabalham com suas famílias, ficou à margem dos benefícios oferecidos pelas políticas governamentais de financiamento, comercialização agrícola, assistência técnica, entre outras tantas.
De fato, até o início da década de 1990 não havia nenhum tipo de política pública específica, com abrangência nacional, voltada para o financiamento do segmento social formado pelos produtores familiares no Brasil. Na realidade, não existia o próprio conceito de agricultura familiar. Conforme argumenta o professor Walter Belik, da UNICAMP, os agricultores familiares eram considerados mini-produtores para efeito de enquadramento no Manual de Crédito Rural (MCR). Com isso, além de disputarem o crédito com as demais categorias, eles eram obrigados a seguir a mesma rotina bancária para obter um empréstimo que tinha o perfil voltado para o grande produtor.
A realidade retratada nos parágrafos anteriores começou a mudar parcialmente a partir da criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), instituído através do Decreto Presidencial n.º 1.946, de 28 de junho de 1996, com a finalidade de apoiar o desenvolvimento rural, tendo como fundamento o fortalecimento da agricultura familiar como segmento gerador de emprego e renda, “de modo a estabelecer um novo padrão de desenvolvimento sustentável que vise ao alcance de níveis de satisfação e bem-estar de agricultores e consumidores, no que se refere às questões econômicas, sociais e ambientais, produzindo um novo modelo agrícola nacional” (BRASIL/MAA, 1996, p. 11).
No decorrer de seus primeiros 18 anos de vida, tal política reduziu as taxas de juros, alargou os prazos de pagamentos dos empréstimos e ampliou suas linhas de ação. Como resultado, somente no período compreendido entre 1996 e 2012, foram realizadas mais de 21 milhões de operações de crédito nas áreas de custeio e de investimento agropecuários. O volume de dinheiro emprestado através dessa modalidade de financiamento, por sua vez, superou a marca dos R$ 100 bilhões no mesmo intervalo de tempo, contribuindo para melhorar as condições produtivas de milhares de produtores em praticamente todos os municípios do país.
Os números apresentados mostram uma realidade bem otimista, diferente de anos atrás. Todavia, apesar de seus avanços reais e simbólicos, o modelo de distribuição dos recursos do PRONAF ainda está distante de ser o ideal. De acordo com dados do Branco Central (BACEN), do montante de dinheiro aplicado nos 16 anos iniciais do programa, algo em torno de 72% foi carreado para as regiões Sul e Sudeste. Já a região Nordeste, que abriga em seu território metade dos 4,3 milhões de estabelecimentos familiares do país, obteve apenas 15% dos recursos desembolsados no período.
Quanto à distribuição por tipo de produtor, a situação também não é boa. Isso porque os agricultores pobres do chamado Grupo B e os assentados da reforma agrária ocupam uma posição marginal na divisão do crédito ofertado em condições especiais. Registre-se que o quadro apresentado se agravou com a elevação recente do limite de renda de enquadramento dos beneficiários para R$ 360 mil, que “abriu as portas” do programa para os agricultores mais capitalizados, os quais têm acessado a maior parte dos recursos disponibilizados anualmente. Esta característica é especialmente preocupante, pois sinaliza um distanciamento do programa de seu objetivo estratégico básico que é reduzir a desigualdade social no campo.
Outro conjunto de críticas dirigidas ao PRONAF durante sua adolescência refere-se à timidez das mudanças que a aplicação dos seus recursos tem provocado nas estruturas produtivas do setor rural. Se, no Nordeste, que é a região mais pobre do Brasil, o programa não tem contribuído efetivamente no sentido de promover a diversificação econômica e disseminar tecnologias alternativas de convivência com o clima semiárido, nos estados da região Sul, onde se concentram os produtores familiares mais integrados ao mercado, a maior parte do crédito tem sido usada para reforçar o modelo tradicional de modernização tecnológica e a especialização produtiva em soja e milho. A reduzida diversificação das atividades financiadas deixa os “pronafianos” expostos à variabilidade climática e à volatilidade dos preços que caracteriza os mercados de insumos e commodities agrícolas.
Essas constatações gerais, fruto da revisão de uma extensa bibliografia sobre o tema reunida por mais de uma década, indicam que a inovação institucional promovida pela democratização do crédito em favor do segmento familiar não tem sido suficiente para lançar as bases de um novo estilo de desenvolvimento no espaço rural brasileiro, pois este instrumento está repetindo, no seio da agricultura familiar, o viés concentracionista, setorial e produtivista sedimentado no sistema de financiamento rural vigente no país. Isso significa que o programa analisado, mesmo depois de alcançar a maioridade, ainda precisa passar por muitas reformulações para poder cumprir sua missão social.
Nesse contexto, o grande desafio dos movimentos sociais rurais – a quem se atribui a paternidade do PRONAF - é retomar o debate junto aos representantes do Estado brasileiro sobre o futuro da agricultura familiar e camponesa no século XXI e procurar redefinir o papel estratégico que ele pode e deve assumir em um projeto de desenvolvimento rural de longo prazo que procure compatibilizar produção de riqueza, equidade social e valorização do meio ambiente. É da intensidade desse debate, que não pode ficar restrito somente a disputa política com o agronegócio por mais recursos a cada safra, que dependerá o futuro dessa política pública, que, incontestavelmente, representa uma das maiores conquistas dos trabalhadores rurais na história recente do Brasil.
De fato, até o início da década de 1990 não havia nenhum tipo de política pública específica, com abrangência nacional, voltada para o financiamento do segmento social formado pelos produtores familiares no Brasil. Na realidade, não existia o próprio conceito de agricultura familiar. Conforme argumenta o professor Walter Belik, da UNICAMP, os agricultores familiares eram considerados mini-produtores para efeito de enquadramento no Manual de Crédito Rural (MCR). Com isso, além de disputarem o crédito com as demais categorias, eles eram obrigados a seguir a mesma rotina bancária para obter um empréstimo que tinha o perfil voltado para o grande produtor.
A realidade retratada nos parágrafos anteriores começou a mudar parcialmente a partir da criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), instituído através do Decreto Presidencial n.º 1.946, de 28 de junho de 1996, com a finalidade de apoiar o desenvolvimento rural, tendo como fundamento o fortalecimento da agricultura familiar como segmento gerador de emprego e renda, “de modo a estabelecer um novo padrão de desenvolvimento sustentável que vise ao alcance de níveis de satisfação e bem-estar de agricultores e consumidores, no que se refere às questões econômicas, sociais e ambientais, produzindo um novo modelo agrícola nacional” (BRASIL/MAA, 1996, p. 11).
No decorrer de seus primeiros 18 anos de vida, tal política reduziu as taxas de juros, alargou os prazos de pagamentos dos empréstimos e ampliou suas linhas de ação. Como resultado, somente no período compreendido entre 1996 e 2012, foram realizadas mais de 21 milhões de operações de crédito nas áreas de custeio e de investimento agropecuários. O volume de dinheiro emprestado através dessa modalidade de financiamento, por sua vez, superou a marca dos R$ 100 bilhões no mesmo intervalo de tempo, contribuindo para melhorar as condições produtivas de milhares de produtores em praticamente todos os municípios do país.
Os números apresentados mostram uma realidade bem otimista, diferente de anos atrás. Todavia, apesar de seus avanços reais e simbólicos, o modelo de distribuição dos recursos do PRONAF ainda está distante de ser o ideal. De acordo com dados do Branco Central (BACEN), do montante de dinheiro aplicado nos 16 anos iniciais do programa, algo em torno de 72% foi carreado para as regiões Sul e Sudeste. Já a região Nordeste, que abriga em seu território metade dos 4,3 milhões de estabelecimentos familiares do país, obteve apenas 15% dos recursos desembolsados no período.
Quanto à distribuição por tipo de produtor, a situação também não é boa. Isso porque os agricultores pobres do chamado Grupo B e os assentados da reforma agrária ocupam uma posição marginal na divisão do crédito ofertado em condições especiais. Registre-se que o quadro apresentado se agravou com a elevação recente do limite de renda de enquadramento dos beneficiários para R$ 360 mil, que “abriu as portas” do programa para os agricultores mais capitalizados, os quais têm acessado a maior parte dos recursos disponibilizados anualmente. Esta característica é especialmente preocupante, pois sinaliza um distanciamento do programa de seu objetivo estratégico básico que é reduzir a desigualdade social no campo.
Outro conjunto de críticas dirigidas ao PRONAF durante sua adolescência refere-se à timidez das mudanças que a aplicação dos seus recursos tem provocado nas estruturas produtivas do setor rural. Se, no Nordeste, que é a região mais pobre do Brasil, o programa não tem contribuído efetivamente no sentido de promover a diversificação econômica e disseminar tecnologias alternativas de convivência com o clima semiárido, nos estados da região Sul, onde se concentram os produtores familiares mais integrados ao mercado, a maior parte do crédito tem sido usada para reforçar o modelo tradicional de modernização tecnológica e a especialização produtiva em soja e milho. A reduzida diversificação das atividades financiadas deixa os “pronafianos” expostos à variabilidade climática e à volatilidade dos preços que caracteriza os mercados de insumos e commodities agrícolas.
Essas constatações gerais, fruto da revisão de uma extensa bibliografia sobre o tema reunida por mais de uma década, indicam que a inovação institucional promovida pela democratização do crédito em favor do segmento familiar não tem sido suficiente para lançar as bases de um novo estilo de desenvolvimento no espaço rural brasileiro, pois este instrumento está repetindo, no seio da agricultura familiar, o viés concentracionista, setorial e produtivista sedimentado no sistema de financiamento rural vigente no país. Isso significa que o programa analisado, mesmo depois de alcançar a maioridade, ainda precisa passar por muitas reformulações para poder cumprir sua missão social.
Nesse contexto, o grande desafio dos movimentos sociais rurais – a quem se atribui a paternidade do PRONAF - é retomar o debate junto aos representantes do Estado brasileiro sobre o futuro da agricultura familiar e camponesa no século XXI e procurar redefinir o papel estratégico que ele pode e deve assumir em um projeto de desenvolvimento rural de longo prazo que procure compatibilizar produção de riqueza, equidade social e valorização do meio ambiente. É da intensidade desse debate, que não pode ficar restrito somente a disputa política com o agronegócio por mais recursos a cada safra, que dependerá o futuro dessa política pública, que, incontestavelmente, representa uma das maiores conquistas dos trabalhadores rurais na história recente do Brasil.
* Economista e professor da UERN
- Artigo publicado no Jornal de Hoje, Natal/RN, 4 de julho de 2014, p. 2. Apud Blog de Ivan Pinheiro
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