Internada desde outubro passado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, após sofrer uma isquemia, morreu nesta segunda-feira, aos 89 anos, a atriz Cleyde Yáconis, conhecida por sua participação em importantes montagens do teatro brasileiro e como atriz de telenovelas, sendo a última delas Passione. A atriz foi destaque na novela em 2010, quando sofreu uma queda e fraturou o fêmur. Sua última aparição em cena aconteceu ao lado de Denise Fraga sob a direção de Marco Antonio Braz, num recital dedicado às criações de Nelson Rodrigues, Elas Não Gostam de Apanhar.
Relembrar a carreira de um artista, não raro, significa percorrer uma trilha que começa íngreme nos anos de aprendizado, alarga-se no auge da experiência e termina em declive. Pois foi bem diferente a etapa final da carreira de Cleyde Yáconis. Aos 80 anos, ela arrebatou público e crítica por sua brilhante interpretação da morfinômana Mary Tyrone em Longa Jornada de um Dia Noite Adentro, de Eugene O’Neill. Sua construção dessa personagem que, a princípio, seria inadequada para uma mulher de sua idade, resultou excepcional. Inesquecível a forma como traduziu ansiedade num gesto de arrumar os cabelos, o misto de intensidade e sutileza na expressão da crescente angústia, o sorriso, o olhar, toda a máscara facial completamente infantilizada após a derradeira desistência.
Numa carreira plena de boas atuações, nada mais natural que venham as homenagens da maturidade. Pois ao receber o Grande Prêmio da Crítica 2003, da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), por Longa Jornada, Cleyde Yáconis provocou no júri uma atitude inédita: a ressalva de que não se tratava de uma premiação pela carreira, pelo conjunto dos trabalhos – ainda que tal prêmio fosse merecido –, mas sim pela interpretação de Mary Tyrone, que mereceria prêmio especial ainda que fosse a primeira atuação de sua vida.
Algo de igualmente original marcou o início da carreira de Cleyde Yáconis e, de certa forma, a consagração tardia guarda relação com esse dado inicial – a irmã mais velha de Cleyde era ninguém menos do que Cacilda Becker, uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos. Em 1950, Cacilda era já uma estrela no Teatro Brasileiro de Comédia enquanto Cleyde sonhava em ser médica. Mas, entre ela e universidade, havia um grande obstáculo. Como mostrou muito bem o diretor José Celso Martinez Correa na peça Cacilda!, ela vinha de uma família muito pobre.
Cleyde nasceu em Pirassununga, em 1923. Tinha quatro anos quando o pai abandonou sua mãe com três filhas. Passaram fome, moraram numa favela e sua mãe chegou mesmo a estimular as filhas a praticar pequenos furtos. Na sua lógica, era lícito roubar para comer. Ainda jovem, Cacilda brilhou na carreira de atriz e passou a sustentar mãe e irmãs. Assim, em 1948, enquanto se preparava para o vestibular de Medicina, Cleyde decidiu arrumar um emprego para aliviar o peso de sustentar toda a família das costas da irmã famosa. E assim ofereceu-se para cuidar do guarda-roupa do TBC, que a essa altura já começava a acumular um acervo. Disciplinada e competente, acaba por cuidar até mesmo da contabilidade da companhia.
Claro que aquele mundo a fascinava. Em 1950, a atriz Nydia Licia passa por um súbito e grave problema de saúde. “Ziembinski estava naquele desespero para achar uma substituta e eu me ofereci: sabia o texto de cor.” Logo percebeu que o negócio não era simplesmente saber de cor, subir ao palco e falar. Por outro lado, o desafio a manteria em cena. Um ano depois, já recebia um prêmio Revelação pela interpretação de Ana, em Ralé, de Gorki. “Nenhuma outra atriz possui a mesma soma de qualidades iniciais: beleza, elegância, voz, simpatia e aptidão indiferentes para o drama e a comédia”, escreve Décio de Almeida Prado sobre ela, na crítica ao espetáculo.
Foram sete anos de TBC e 30 peças, interpretando personagens tão diferentes entre si como aenhora Frola, de Assim É se lhe Parece, de Pirandello, e a Elizabeth de Mary Stuart, de Schiller (que lhe valeu o Prêmio Saci, em 1955). NO TBC ela atuou sob a direção de Adolfo Celli, Luciano Salce, Ziembinski, Bollini e Maurice Vaneau. Em 1958, segue a irmã, que funda o Teatro Cacilda Becker (TCB), onde encarna criações de autores brasileiros como Nelson Rodrigues (é a protagonista de Senhora dos Afogados) e O Santo e Porca, de Ariano Suassuna. Volta ao TBC em 1960 no elenco de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, sob direção de Flávio Rangel, contracenando com Nathalia Timberg e Leonardo Vilar.
Os prêmios são muitos. Entre eles, um Molière em 1966 por Toda Nudez Será Castigada e, no ano seguinte, o da Associação Paulista de Críticos de Teatro, por O Fardão, de Bráulio Pedroso. As comparações com a irmã eram inevitáveis, porém jamais foram desfavoráveis: “O seu jeito tímido, de pouco falar, denotava decisão firme e calma, que fazia contraste com o nervosismo buliçoso da irmã Cacilda Becker”, observou Décio de Almeida Prado.
Relembrar a carreira de um artista, não raro, significa percorrer uma trilha que começa íngreme nos anos de aprendizado, alarga-se no auge da experiência e termina em declive. Pois foi bem diferente a etapa final da carreira de Cleyde Yáconis. Aos 80 anos, ela arrebatou público e crítica por sua brilhante interpretação da morfinômana Mary Tyrone em Longa Jornada de um Dia Noite Adentro, de Eugene O’Neill. Sua construção dessa personagem que, a princípio, seria inadequada para uma mulher de sua idade, resultou excepcional. Inesquecível a forma como traduziu ansiedade num gesto de arrumar os cabelos, o misto de intensidade e sutileza na expressão da crescente angústia, o sorriso, o olhar, toda a máscara facial completamente infantilizada após a derradeira desistência.
Numa carreira plena de boas atuações, nada mais natural que venham as homenagens da maturidade. Pois ao receber o Grande Prêmio da Crítica 2003, da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), por Longa Jornada, Cleyde Yáconis provocou no júri uma atitude inédita: a ressalva de que não se tratava de uma premiação pela carreira, pelo conjunto dos trabalhos – ainda que tal prêmio fosse merecido –, mas sim pela interpretação de Mary Tyrone, que mereceria prêmio especial ainda que fosse a primeira atuação de sua vida.
Algo de igualmente original marcou o início da carreira de Cleyde Yáconis e, de certa forma, a consagração tardia guarda relação com esse dado inicial – a irmã mais velha de Cleyde era ninguém menos do que Cacilda Becker, uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos. Em 1950, Cacilda era já uma estrela no Teatro Brasileiro de Comédia enquanto Cleyde sonhava em ser médica. Mas, entre ela e universidade, havia um grande obstáculo. Como mostrou muito bem o diretor José Celso Martinez Correa na peça Cacilda!, ela vinha de uma família muito pobre.
Cleyde nasceu em Pirassununga, em 1923. Tinha quatro anos quando o pai abandonou sua mãe com três filhas. Passaram fome, moraram numa favela e sua mãe chegou mesmo a estimular as filhas a praticar pequenos furtos. Na sua lógica, era lícito roubar para comer. Ainda jovem, Cacilda brilhou na carreira de atriz e passou a sustentar mãe e irmãs. Assim, em 1948, enquanto se preparava para o vestibular de Medicina, Cleyde decidiu arrumar um emprego para aliviar o peso de sustentar toda a família das costas da irmã famosa. E assim ofereceu-se para cuidar do guarda-roupa do TBC, que a essa altura já começava a acumular um acervo. Disciplinada e competente, acaba por cuidar até mesmo da contabilidade da companhia.
Claro que aquele mundo a fascinava. Em 1950, a atriz Nydia Licia passa por um súbito e grave problema de saúde. “Ziembinski estava naquele desespero para achar uma substituta e eu me ofereci: sabia o texto de cor.” Logo percebeu que o negócio não era simplesmente saber de cor, subir ao palco e falar. Por outro lado, o desafio a manteria em cena. Um ano depois, já recebia um prêmio Revelação pela interpretação de Ana, em Ralé, de Gorki. “Nenhuma outra atriz possui a mesma soma de qualidades iniciais: beleza, elegância, voz, simpatia e aptidão indiferentes para o drama e a comédia”, escreve Décio de Almeida Prado sobre ela, na crítica ao espetáculo.
Foram sete anos de TBC e 30 peças, interpretando personagens tão diferentes entre si como aenhora Frola, de Assim É se lhe Parece, de Pirandello, e a Elizabeth de Mary Stuart, de Schiller (que lhe valeu o Prêmio Saci, em 1955). NO TBC ela atuou sob a direção de Adolfo Celli, Luciano Salce, Ziembinski, Bollini e Maurice Vaneau. Em 1958, segue a irmã, que funda o Teatro Cacilda Becker (TCB), onde encarna criações de autores brasileiros como Nelson Rodrigues (é a protagonista de Senhora dos Afogados) e O Santo e Porca, de Ariano Suassuna. Volta ao TBC em 1960 no elenco de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, sob direção de Flávio Rangel, contracenando com Nathalia Timberg e Leonardo Vilar.
Os prêmios são muitos. Entre eles, um Molière em 1966 por Toda Nudez Será Castigada e, no ano seguinte, o da Associação Paulista de Críticos de Teatro, por O Fardão, de Bráulio Pedroso. As comparações com a irmã eram inevitáveis, porém jamais foram desfavoráveis: “O seu jeito tímido, de pouco falar, denotava decisão firme e calma, que fazia contraste com o nervosismo buliçoso da irmã Cacilda Becker”, observou Décio de Almeida Prado.
Em 1971, Cleyde Yáconis fundou sua própria companhia e, à sua frente, produziu peças como Um Homem É um Homem, de Bertolt Brecht e A Capital Federal, de Artur Azevedo. Quando os efeitos da ditadura se fizeram sentir na produção teatral e se tornou impossível manter uma companhia, Cleyde seguiu trabalhando, sem jamais se vender barato seu ofício, sempre cuidadosa com seu repertório, sempre corajosa e inteligente em suas declarações.
Nas décadas de 80 e 90, suas atuações teatrais começaram a rarear, mas ainda assim fez belos trabalhos em peças como O Jardim das Cerejeiras e Agnes de Deus. Na televisão, participou de muitos teleteatros, entre eles o Teatro das Segundas-Feiras, na TV Excelsior e ainda de novelas, como a primeira versão de Mulheres de Areia.
Na Globo, ganhou popularidade com a personagem Isabelle Bresson, da novela Rainha da Sucata. Mas chamou igual atenção ao integrar o elenco de Ninho de Serpente, na TV Bandeirantes. Ainda assim, nunca escondeu sua paixão pelo palco e sua ojeriza ao formato novela: “É suicídio. Você fica horas trancada num estúdio e nem sabe se a bomba atômica explodiu.”
- Transcrito do Estadão
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