segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Barbas de molho

*Vitor Sapienza
Tenho um amigo que afirma: as pessoas que assistem aos programas de televisão que retratam tragédias encontram ali um certo consolo. Estranho, não? A pergunta é natural, e esse meu amigo se justifica, dizendo que, ao ver a tragédia envolvendo os outros, o telespectador se consola ao tomar consciência de que “o problema não é com ele”, ou a constatação do “ainda bem que isso não aconteceu comigo”.

Não vou, aqui, condenar os tais programas que exploram a desgraça humana, nem tampouco analisar a postura do telespectador. Também não me sinto em condições de analisar a catarse coletiva que, muitas vezes, advém disso tudo. Vou apenas citar um fato, no caso, o recente conflito ocorrido no Egito, envolvendo torcedores de duas equipes de futebol, que resultou em dezenas de mortes.

Assim que a notícia foi divulgada, a palavra absurdo foi o termo mais ouvido para definir a tragédia. Sei que absurdo é, aqui, distante do fato, eu escrever que foi algo “normal” o que aconteceu. Calma, leitor! Foi algo normal dentro da anormalidade, dentro de estupidez que característica o ser humano. Quantos foram os absurdos a que temos assistido, todos os dias, nos quatro cantos do mundo? O ser humano está tornando a violência algo natural, rotineiro. A diferença é apenas o lugar onde a estupidez se manifesta.

Depois do fato ocorrido no Egito, comentei com alguns amigos que não estamos imunes a isso. E, uma vez mais, fui contestado. E reafirmo: se não corremos o risco de tragédias iguais àquela, pelo menos devemos ter consciência do perigo representado pelo conflito entre as nossas torcidas organizadas. Pode ser de intensidade menor, mas nem por isso deixa de ser preocupante.

Muita gente sabe da minha vivência junto ao meio esportivo, tanto amador, com no profissional. E, direta ou indiretamente, chegam ao nosso conhecimento fatos envolvendo a torcidas organizadas, fatos que, na verdade, são de conhecimento de todos. No entanto, o que se percebe é que a paixão por uma determinada equipe está se convertendo em fanatismo. E aí está o perigo!

Mais do que torcer, mais que adorar, mais que idolatrar atletas, o futebol está formando adeptos movidos pelo amor desenfreado, jovens dispostos a tudo, unicamente para defender algo que não precisa de defesa: a camisa, o nome, o distintivo de uma equipe de futebol.

E isso é algo muito diferente, mais profundo que a “paixão fugaz” do atleta para com a equipe de que veste a camisa. Enquanto o atleta sabe que a sua passagem pelo clube é limitada às ofertas que surgem, muitos torcedores mantêm um amor eterno que vai, muitas vezes, sendo adubado pelo fanatismo. E é exatamente isso que nos preocupa.

O conceito de nação — usado erroneamente pela mídia que atua no esporte —, para definir a paixão por este ou por aquele clube, acaba sendo confundido por muita gente. Nação é algo totalmente diferente disso. Nele está incluído o direito, o respeito, os deveres e, acima de tudo, a plena consciência do que é cidadania. E não estamos vendo isso nas torcidas organizadas.

Está na hora de os líderes dessas facções pararem para pensar. Está na hora de o poder público tomar as rédeas da situação. Está na hora de ficarmos atentos à postura dos nossos filhos quando, em grupos, usando a falsa imagem de esportistas, vão aos estádios de futebol. Ou tomamos uma atitude agora, ou depois teremos que lamentar os fatos, e fazermos comparações com a tragédia que acaba de acontecer no Egito. E aí será muito tarde. Tarde e doloroso.

* Vitor Sapienza, deputado estadual (PPS), é presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado. - www.vitorsapienza.com.br

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