Edgar Morin,
filósofo e sociólogo francês
Cada cultura tem suas
virtudes, seus vícios, seus conhecimentos, seus modos de vida, seus erros, suas
ilusões. Na nossa atual era planetária, o mais importante é cada nação aspirar
a integrar aquilo que as outras têm de melhor, e a buscar a simbiose do melhor
de todas as culturas.
A França deve ser
considerada em sua história não somente segundo os ideais de
Liberdade-Igualdade-Fraternidade promulgados por sua Revolução, mas também
segundo o comportamento de uma potência que, como seus vizinhos europeus,
praticou durante séculos a escravidão em massa, e em sua colonização oprimiu
povos e negou suas aspirações à emancipação. Há uma barbárie europeia cuja
cultura produziu o colonialismo e os totalitarismos fascistas, nazistas,
comunistas. Devemos considerar uma cultura não somente segundo seus nobres
ideais, mas também segundo sua maneira de camuflar sua barbárie sob esses
ideais.
Podemos nos orgulhar da
corrente autocrítica minoritária de nossa cultura, desde Montaigne até
Lévi-Strauss, passando por Montesquieu, que não somente denunciou a barbárie da
conquista das Américas, como também a barbárie de um pensamento que “chama de
bárbaros os povos de outras civilizações” (Montaigne).
Da mesma forma, o
cristianismo não pode ser considerado somente segundo os preceitos do amor
evangélico, mas também segundo uma intolerância histórica em relação às outras
religiões, seu milenar antijudaísmo, sua erradicação dos muçulmanos dos
territórios cristãos, ao passo que, historicamente, cristãos e judeus foram
tolerados em terras islâmicas, mais especificamente no Império Otomano.
Falando mais amplamente, a
civilização moderna nascida do Ocidente europeu difundiu pelo mundo inúmeros
progressos materiais, mas também inúmeras deficiências morais, a começar pela
arrogância e pelo complexo de superioridade, os quais sempre suscitaram o pior
do desprezo e da humilhação do outro.
Sabedoria e modo de vida.
Não se trata de um
relativismo cultural, mas de um universalismo humanista. Trata-se de
ultrapassar um ocidentalocentrismo e de reconhecer as riquezas da variedade das
culturas humanas. Trata-se de reconhecer não somente as virtudes de nossa
cultura e suas potencialidades emancipadoras, mas também suas deficiências e
seus vícios, sobretudo o surto da vontade de poder e de dominação sobre o
mundo, o mito da conquista da natureza, a crença no progresso como destino da
História.
Devemos reconhecer os
vícios autoritários das culturas tradicionais, mas também a existência de
solidariedades que nossa modernidade fez desaparecer, uma relação melhor com a
natureza, e nas pequenas culturas indígenas sabedorias e modos de vida.
O falso universalismo
consiste em acreditarmos que somos donos do universal – aquilo que permitiu
camuflar nossa falta de respeito pelos humanos de outras culturas e os vícios
de nossa dominação. O verdadeiro universalismo tenta nos situar em um metaponto
de vista humano que nos engloba e nos ultrapassa, para quem o tesouro da
unidade humana está na diversidade de culturas. E o tesouro da diversidade
cultural, na unidade humana.
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