Na segunda-feira, cinco policiais militares do 14.º Batalhão (Osasco)
tiveram prisão temporária decretada por suspeita de executar César Dias de
Oliveira e Ricardo Tavares da Silva, ambos de 20 anos, na madrugada de 1.º de
julho na zona oeste de São Paulo. O pai de César, Daniel Eustáquio de Oliveira,
de 50, não acreditou na versão de "resistência seguida de morte".
Pediu licença no trabalho e passou a investigar o caso, dando subsídios para
que o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) pedisse a prisão
dos PMs. Oliveira contou sua história ao Estado.
"Trabalhei (na noite do crime) até a 1 hora. Sou eletricista da
prefeitura de Vargem Grande Paulista. Havia uma festa junina. Pedi para ir
embora porque estava com mau pressentimento. Cheguei em casa à 1h30. Naquele
sábado, o César e o Ricardo tinham sessões de tatuagem na casa do primo dele.
Precisava ser à noite, porque os dois trabalhavam. O César operava tear em uma
indústria têxtil; o Ricardo era repositor em supermercado. Chegariam depois das
3h. Fui dormir.
Às 8h30, o vizinho chega desesperado. ‘Ligaram do Hospital Regional de
Osasco, o César sofreu um acidente.’ Chego no hospital e me apresento. O
atendente fala: ‘A notícia é a pior possível’. Eu falei: ‘Meu filho morreu’. E
comecei a chorar. Perguntei como. ‘Com cinco tiros.’ Além de tentarem roubar
meu filho, deram cinco tiros neles. O atendente fala: ‘Peraí, não foi um
bandido que matou seu filho, foi a polícia’. Olhei para ele, parei de chorar na
hora. ‘Como assim a polícia matou?’ Ele disse: ‘Houve uma perseguição, ele
resistiu à prisão, houve troca de tiro e seu filho morreu, chegou morto e o
rapazinho está em coma’. Eu falei: ‘Não, houve um engano muito feio e grave.
Vou provar que meu filho não fez isso’.
Confio no César. Tinha o coração bom, nunca gostou de violência. Saí
do hospital indignado e fui para a cena do crime, analisando tudo. Como eu
trabalhava com informática, tenho a mente muito analítica. Vi erros grotescos
logo de cara. Cheguei perto do policial, na calma, sem acusar ninguém.
Perguntei: ‘O que houve aqui? Sou pai do dono da moto’. O PM responde:
‘Segundo os policiais, os dois meliantes viram a viatura e empreenderam fuga. O
garoto pegou a arma e atirou. Seu filho caiu da moto e levantou atirando’. Eu
olhei para o rapaz e para a cena e falei: ‘Não sou perito. Mas você não acha que
tem coisa errada aqui?’
Indícios. Segundo os
PMs, meu filho empreendeu fuga. Estranho: se ele estivesse fugido, numa CB 300,
você acha que a viatura o alcançaria? Segundo: de acordo com a PM, meu filho
estava fugindo com o garupa atirando na viatura. A viatura estaria atrás e a
moto na frente. Por que meu filho está com dois tiros no peito, um na lateral
do tórax, um na virilha e outro na perna esquerda? E por que o Ricardo estava
com três tiros na perna pela lateral e não por trás?
Terceiro erro: se eles fugiam, estavam velozes ao perder o controle
quando caíram da moto. Me mostra um arranhão nessa moto. Ela está intacta.
Quarto: se meu filho estava fugindo, para ele perder o controle, tem
de ter marca da frenagem da moto e da polícia. Não tem.
Quinto: Se os meninos tivessem caído com a moto, eles estariam
machucados. Os meninos não tinham hematomas.
Sexto: os meninos foram supostamente socorridos na hora. Não foram.
Pela quantidade de sangue, eles ficaram muito tempo no chão.
Sétimo: se ele estivesse fugindo, as marcas de tiros na moto seriam em
paralelo ou diagonal. Foram transversais. O PM começou a analisar a cena. Olhou
para mim e falou: ‘Os policiais fizeram m...’.
Chegando ao DHPP, peguei o BO, com várias divergências. A cena do
crime era incompatível. Os policiais foram burros, nem montar uma cena eles
conseguiram. Eu fui mostrando as divergências. Um investigador veio gritar
comigo. ‘P..., você está tirando a polícia? Tem uma testemunha. Um rapaz que
mora em Carapicuíba, na Cohab I’. Eu questionei. O que esse morador de
Carapicuíba estava fazendo às 3h no Rio Pequeno?
Nos dias seguintes, fui ao DHPP prestar depoimento. Falei que meu
filho é inocente e os policiais me olharam daquele jeito, pensando ‘todos falam
a mesma coisa’. Fui mostrando para eles, na calma, na paciência. Passei cinco
dias indo todo dia no DHPP, levando testemunhas. Uma assistiu a cena do começo
ao fim. Com 12 anos, a moça havia perdido um irmão assassinado por um policial.
Por isso me ajudou.
Descobri mais quatro testemunhas, mas elas não foram de jeito nenhum.
No quinto dia, um investigador falou: ‘Pelo seu depoimento, a gente passou a
olhar a perícia e informações com outros olhos’. Na segunda-feira, meu advogado
me telefona: ‘Foram executadas cinco ordens de prisão dos policiais que mataram
seu filho’.
Sigo com medo de retaliações. Ouço uma moto, já me preparo. Sei que
corro risco. Tatuei o rosto do meu filho no braço. Embaixo, escrevi ‘herói’.
Aos 20 anos, ele já era homem. Nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência.
Quero olhar para o rosto dele todo dia, até o fim da minha vida."
- Transcrito do O Estadão
- Transcrito do O Estadão
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