Eu tinha um livro irmão desses cadernos
Que tenho hoje espalhados na gaveta,
Era escrito por mim com tinta preta
Tinha sonetos amorosos, ternos ...
Branco, continha os madrigais eternos
Que nos lembra a saudade de um poeta
Nele brilhava, lânguida, secreta
Toda minh'alma em gelidez de invernos ...
Um dia o livro me caiu dos dedos ...
Arrastando consigo os meus segredos
Foi-se esse raio do meu morto brilho ...
Fui procurá-lo loucamente aflito
e pela estrada ressou meu grito
Lembrando um pai que procurasse o filho ...
(Natal, 22 de novembro de 1908)
Isabel
Uma Isabel morreu no mundo
Tinha pai e mãe, irmãs e sobrinhos, aquele
mundo de primos no mundo.
Avós enterrados, bisavós hoje trepidantes em cernes
duros de árvores agigantadas.
Ascendentes outros na nervura de asas e barbatanas de peixe.
Isabel hoje estava cansada.
Remontava das suas origens a dias
muito anteriores aos dias de Tebas,
Viveu de fresco os poemas de Homero,
A guerra de Tróia
O passado de Sócrates
E, caída Cartago, soldados ruivos assalariados mortos.
Não soube nada de sua crônica.
Era uma mulher, vestia saia,
os cabelos compridos
E se alimentava de pão, rapadura e mel.
Isabel tinha linhas nas mãos,
Uma sorte que estava escrita, diferente sem dúvida
das outras sortes.
O destino de Isabel, o destino da vida,
como os outros que carregam a morte.
Eu nunca vi Isabel.
João Lins Caldas
Nenhum comentário:
Postar um comentário