segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Folha entrevista Micarla de Sousa

A ex-prefeita de Natal afastada da Prefeitura há um mês sob suspeita de desviar dinheiro público, Micarla de Sousa diz ser um "arquivo vivo" e que foi "condenada moralmente" apenas por "indícios". 


Em entrevista à Folha, a jornalista de 42 anos, cuja gestão era reprovada por 92% da população, afirma que seu "martírio" começou após "dizer não" a "poderosos e influentes" do Estado. 


Dona da afiliada local do SBT, Micarla diz que já vinha de família rica, e que se endividou por ajudar "pessoas necessitadas". Afirma que a crise de gestão em Natal, que enfrenta caos em diversas áreas, é resultado do baixo crescimento do país. 


Leia a entrevista concedida no último sábado (1º), mesmo dia em que o PV a retirou da presidência estadual do partido: 
FOLHA - Como está a rotina desde o afastamento?
MICARLA DE SOUSA - É a primeira vez que sou mãe "full time". É um aprendizado. No começo foi difícil. Porque antes eu acordava às 6h30, tomava café com os meus filhos e ia para a prefeitura. Sempre cheguei tarde, não almoçava em casa. Quando aconteceu isso [afastamento], eu me perguntava: o que eu vou fazer hoje?
O que foi mais difícil nesse período?
Trabalho desde os 16 anos. Estou com 42. Sempre trabalhei fora, como jornalista, executiva, empresária, como política e empresária --porque quando fui deputada continuei cuidando das empresas da minha família-- e depois como política em tempo integral. Mas o mais difícil para mim, o maior aprendizado, não foi a rotina. Foi ver quantas máscaras caíram nesse período e como o poder faz amigos e a falta dele afasta as pessoas. Posso confirmar aquela frase que diz que o poder embriaga porque 90% ou mais das pessoas que me rodeavam desapareceram da noite para o dia.
A sra. recorreu para tentar voltar à prefeitura. Se tivesse obtido decisão favorável, como teria sido esse retorno?
Tenho pensado muito sobre isso. Porque sou a primeira gestora na história do país cassada por liminar judicial. Não fui julgada, não fui denunciada. Não existe nada. Existem, apenas, como é colocado pelo Ministério Público, indícios de que haja alguma coisa. E por indícios eu fui julgada, condenada moralmente e afastada do meu cargo. Isso tem sido doloroso porque fui eleita por 193 mil votos, por 50,8% da população. Fui julgada sem direito à defesa. Nem o pior dos bandidos passou pelo que passei.
Como avalia as acusações?
É muito fácil acusar as pessoas. Queria só lembrar que vim de família que já tinha estrutura financeira que me permitia desde jovem ter acesso a algumas coisas. Agora chegar e dizer que Micarla teve gasto mensal de R$ 140 mil. Onde? [Francisco] Assis, que era secretário-adjunto financeiro da Saúde, trabalhava comigo antes de meu pai falecer. Meu pai faleceu há 14 anos. Ele [Assis] sempre cuidou da minha vida financeira. Encontraram na casa dele uma planilha mostrando quanto eu devia e não quanto eu gastava. Será que o fato de alguém dever, de ter cheque especial estourado, de estar sem cartão de crédito há dois anos, dá a alguém o direito de pensar que é uma pessoa má, que não tem caráter?
Como chegou a essa situação de endividamento?
Por não conseguir dar "não" a pessoas necessitadas. Quantas vezes peguei meu salário, meu cartão de crédito, para ajudar alguém que chegava e dizia: preciso fazer tratamento em São Paulo e preciso de passagem e hospedagem? Quantas vezes reconstruí casas que estavam para cair na cabeça das pessoas. As pessoas podem achar piegas ou duvidar. Mas isso provocou um descontrole financeiro meu. Chegaram ao ponto de dizer que a prefeita usava o dinheiro [público] para pagar a escola dos filhos. A escola está no Imposto de Renda do meu ex-marido. O que querem provar de mim? Até agora o que conseguiram provar é que tenho muito débito.
Encontrou-se um papel em que estava escrito "M" e "W" [segundo a Promotoria, as iniciais de Micarla e Weber, o ex-marido]. "M" com certeza não é Micarla. Posso provar e afirmar. Querem me transformar em uma bandida e eu não sou.
A sra. usou verba pública para fins pessoais?
Nunca. Durmo com minha consciência tranquila. Pedi ajuda à minha mãe com minhas contas. Isso é crime?
A Promotoria aponta que seus auxiliares se desdobravam para pagar suas contas pessoais. A sra. avalia isso como normal, considerando que ambos ocupavam cargos públicos?
Talvez tenha errado nesse ponto. Deixei a mesma pessoa [Assis] por questão de confiança. Porque ele fazia isso pra mim há mais de dez anos. Mas não acho que tenha algo de obscuro nisso. Ele trabalhava com a minha família há muito tempo. Ele fazia o trabalho dele na Saúde. Desdobrava-se às vezes, sim, mas nunca teve dinheiro público envolvido nisso.
Todos esses indícios são então inverdades, em sua visão?
Todos esses indícios me levam a crer que sou muito temida pelos poderosos. Tenho a sensação de que sei demais, de que sou um arquivo vivo de muitas coisas. O que aconteceu comigo foi uma grande história, uma grande estrutura montada, e não foi da noite para o dia. Acho que havia mais ou menos uma crônica da morte anunciada a partir do momento que comecei a dar "não" a algumas figuras.
Quais figuras?
A partir do momento que comecei a dar "não" às pessoas mais fortes e influentes do Estado minha vida começou a se transformar em um martírio, um calvário. Enquanto alguns sentiam que me tutelavam minha vida era tranquila. Quando viram que eu era um cavalo selvagem, que não tinha como colocar cabresto, a minha vida começou a tomar outro rumo.
Inimigos políticos deram munição ao Ministério Público?
Não posso dizer quem fez ou deixou de fazer isso. Foi uma somatória de questões como interesses quebrados e falta de apoios. Minha vida política foi meteórica. Em quatro anos participei de três campanhas e venci as três. Fui vice-prefeita em 2004, fui a deputada mais votada em Natal em 2006 e em 2008 fui eleita prefeita no primeiro turno contra todas as estruturas de poder da época. Fiz uma parceria com o povo.
Quais foram os frutos dessa parceria?
Entreguei 53 escolas de educação infantil em três anos. Investi muito em saúde. Entreguei três Ames [ambulatórios médicos de especialidades], uma UPA [unidade de pronto atendimento], o Hospital da Criança Sandra Celeste, reinaugurei o Hospital dos Pescadores, o Hospital da Mulher. Entreguei três maternidades. Passei de 2.000 crianças na pré-escola para 16 mil crianças. Três mil e duzentas famílias que moravam em favelas agora têm casa.
Atualmente vemos algumas dessas áreas com problemas. A educação ameaça suspender o ano letivo, há problemas de limpeza pública, ruas esburacadas. Você se sente responsável por essa situação?
Não. Natal não é uma ilha. Está no contexto do Brasil, que quando assumi tinha taxas de crescimento superiores a 8% e que vai crescer 1,9% neste ano. Um país em que para os metalúrgicos da região do ABC paulista, uma das maiores praças eleitorais do PT, não serem demitidos, retirou-se o IPI dos carros. O IPI e o Imposto de Renda são formadores do Fundo de Participação dos Municípios. Todos os municípios enfrentam empobrecimento. Outro ponto agravante é que tivemos nesse último ano bairros com inadimplência de 86% em relação ao IPTU. Alcançamos na média geral 50% de IPTU não pago. Não existe mágica. É igual na nossa casa. Se você tem despesa "X" e começa a ganhar menos, você tem que cortar. E chega uma hora que não tem mais de onde cortar.
O descontrole financeiro pessoal da sra. não se refletiu na prefeitura?
De forma alguma. Que atire a primeira pedra o município brasileiro que diga que não tem problemas. Em Fortaleza, em Recife, as pessoas reclamam de lixo e buraco. Há exemplos positivos, claro. O Rio de Janeiro, por exemplo, onde [o prefeito] Eduardo Paes [PMDB] tem apoio incondicional do governo federal e do Estado. Em Natal falta apoio do Estado. No âmbito do governo federal, quando Dilma assumiu consegui conquistar muitos projetos. Sempre tive apoio dela. Infelizmente nada chegou em tempo por causa de burocracia.
O que explica o índice de rejeição de 92% de sua gestão?
A falta de apoio político fez com que eu fosse um alvo fixo. E o fato de eu não abrir exceções fez com que todos quisessem que eu não estivesse mais ali. Eles precisam de alguém que seja manipulado, algo a que não me propus.
Acredita que pode voltar ao cargo antes do dia 1°[de janeiro de 2013]?
O mínimo que deveria acontecer seria me darem o direito de voltar e fazer a minha defesa. Se sou colocada como bandida, como sustento depois os meus filhos? Vai ter sempre alguém me olhando e desconfiando se a história é verdade. Isso afeta não só a mim, mas aos meus filhos, minha família. Como cristã, fico pensando quando Jesus estava ao lado de Barrabás e Pilatos perguntou se ele queria se defender. Até ali, do lado do pior bandido, Jesus teve direito de defesa. Eu não tive isso. Temo que isso abra precedente para que outros gestores sejam julgados moralmente, condenados, tenham suas vidas completamente dizimadas antes de um processo judicial ser completamente concluído. Isso abre um precedente perigoso para a democracia do país.
Qual é a Natal que você entrega a Carlos Eduardo [Alves, PDT]?
Uma Natal que por um lado tem possibilidades imensas. Consegui conquistar R$ 338 milhões de recursos para a Copa. Tem um túnel, com mais R$ 140 milhões, que vai acabar com todos os problemas de alagamentos em Natal. Entrego uma cidade com R$ 10 milhões para asfaltamento. Entrego uma cidade com possibilidades mil por conta da Copa, mas também uma cidade que tem problemas sérios que são vivenciados pelos gestores brasileiros, de redução de arrecadação e isso faz diferença grande. Deixei uma Natal com certeza melhor do que quando assumi. E ele [novo prefeito] vai ter a sorte que não tive: a questão dos apoios. Eu desejo a ele muita sorte.
Quais são seus planos para 2013?
Eu saí da política. Volto a cuidar do que é meu, minha casa, minha vida como jornalista, minhas empresas. Quero ficar com os meus filhos. Quero escrever um livro, fazer uma trilogia sobre o início da cruz até os dias futuros.
Vai continuar filiada ao PV?
Não. Acho que a Justiça, o Ministério Público, até parte da população que não me conhece podia me tratar de forma distante, desconfiar de mim ou colocar qualquer tipo de questionamento. Mas o meu partido e meus companheiros não tinham esse direito. Durante oito anos fui presidente do partido. E agora, no dia que acontece o afastamento, me trataram da mesma forma do que os desconhecidos e a Justiça. Ninguém da direção nacional chegou para me prestar solidariedade, perguntar o que estava acontecendo. Simplesmente decidiram me afastar da presidência do partido. Não fui convidada nem sequer para o ato do novo presidente. O PV me tratou com ingratidão. Minha história com o PV sempre foi de amor. Agora esse amor acabou. Essa dor do PV foi infinitamente maior do que a dor da injustiça da Justiça. Vou me desfiliar nos próximos dias e fechar esse ciclo.

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