domingo, 6 de novembro de 2011

Corrupção começa no município

“A corrupção na administração pública é um fato ostensivo e notório, e um dos maiores focos de corrupção se encontra nas administrações municipais”. Esta afirmação é de um jurista, constitucionalista, professor de Direito, magistrado e humanista. Culto e brilhante. Seu nome: Mário Moacyr Porto. Advogado, Promotor Público, Juiz de Direito, Desembargador. Presidiu o Tribunal de Justiça da Paraíba e foi diretor da Faculdade de Direto e reitor da Universidade Federal da Paraíba. Vindo morar em Natal, transferiu sua cátedra para a Faculdade de Direito da UFRN. Ensinava Direito Civil, advogou e foi presidente da OAB-RN. Presidiu também a Mineração Tomaz Salustino. Participou da elaboração da Constituição de 1988. Pertenceu à Academia Paraibana de Letras e à Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Grande “causeur”, sempre bem humorado, fazia parte das rodas de conversas na Livraria de Walter Pereira. Esta sua afirmação de que a corrupção na administração pública tem como um dos maiores focos as prefeituras está numa carta (na qual é bastante generoso com este cronista) que me escreveu em março de 1989. O pensamento do doutor Mário Moacyr Porto está atualíssimo. A carta poderia ter sido escrita hoje. Transcrevo-a na íntegra:

Caro Woden

Na altura a que cheguei na vida, deveria estar cuidando, unicamente, da salvação da alma e outros problemas metafísicos. A casa dos setenta, como diz Manuel Bandeira, não é uma casa mas uma tapera. E como não temos mais vigor físico para dar maus exemplos nos consolamos em dar bons conselhos. Creio que a reflexão é do Marquês de Maricá, autoridade dos maiores sobre o mundo, o diabo e a carne.

Esta carta não visa, propriamente, dar “bons conselhos” ao brilhante jornalista e homem de letras que você é, mas oferecer sugestões sobre o que a imprensa poderá fazer a prol do povo, sem maiores despesas ou comprometimento da “linha” do jornal. Por exemplo: Informar aos brasileiros e brasileiras sobre os direitos e prerrogativas que lhe assistem ou que lhes foram outorgadas pela vigente Constituição Federal.

Não me refiro aos estereótipos costumeiros ou encontradiços em qualquer Constituição, que valem mais pela sonoridade de suas palavras do que pela eficácia real dos seus mandamentos. Refiro-me, ao contrário, às providências práticas, objetivas, operantes, que o cidadão poderá tomar em favor dos seus direitos e aos diretos da comunidade. A Constituição vigente – que é, sem dúvida, uma boa Constituição – está cheia de prerrogativas em favor do cidadão que efetivamente queira participar do processo político-administrativo do país. A nova Carta “abriu as asas sobre nós”, inclusive na proteção dos interesses difusos. Esclareço que “interesse difuso” é uma expressão que está na moda e que dá um prestígio danado aos juristas que a usam. Depois, se “pintar” uma oportunidade, conversaremos sobre o assunto.


Voltando ao que importa, figuremos um caso concreto, para melhor esclarecer o meu pensamento e o meu propósito: A corrupção na administração pública é um fato ostensivo e notório, e um dos maiores focos de corrupção se encontra nas administrações municipais. A Constituição Federal, sensível à chaga vergonhosa, estabeleceu no art. 31, parágrafo 3, o seguinte dispositivo, que visa, justamente, armar o contribuinte inconformado com o escandaloso manuseio do dinheiro público, de meios para fiscalizar as sujeiras da administração:

“As contas dos munícipios ficarão, durante sessenta dias à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhe a legitimidade, nos termos da lei”.


Com toda certeza, o dispositivo transcrito não é do conhecimento da maioria dos cidadãos-contribuintes. Poucos, pouquíssimos sabem que podem, ‘pessoalmente’, fiscalizar as contas dos municípios, ou melhor, as contas dos Prefeitos e das Câmaras de Vereadores. Aí é que entra a relevantíssima participação dos chamados meios de comunicação de massa, instruindo o povo sobre os seus direitos, informando-o de que o cidadão vale mais do que pensa, estimulando-o, como quer a Constituição, a participar ativa e efetivamente na administração, inclusive opondo-se ao mar de lama que ameaça submergir o país.


Um pessimista profissional retrucará: Não adianta. Peculatório de “colarinho branco” está acima das leis. Atitude de conivente, repostamos. Postura de comodista. Filosofia dos vencidos da esperança de melhores dias. O que não adianta mesmo é o blá, blá, blá das recriminações inconsequentes. O Brasil é viável, mas é preciso pugnar, vencer a inércia e ceticismo resignados, lutar, com a ajuda dos instrumentos legais da repressão à trapaça inconstitucionalizada, pois vale mais acender uma vela que maldizer a escuridão, como ensina a sabedoria oriental. E se a Câmara de Vereadores não permitir que o contribuinte “curioso” venha inteirar-se das suas contas e das contas do prefeito? Pior para a autoridade recalcitrante. O contribuinte, impedido, arbitrariamente, de exercer o seu direito constitucional, denunciará o abuso ao Tribunal de Contas e a Ordem dos Advogados, com pedido de providências. E se as providências tardarem? Insistirá o espírito de porco. Nesse caso, bastante improvável, o contribuinte constituirá um advogado para requerer em juízo o remédio jurídico adequado para que se cumpra efetivamente a prerrogativa que a Constituição lhe assegura. Que tal?

Um abraço do seu admirador

Mário Moacyr Porto”

- Transcrito da Coluna de Woden Macruga - Jornal Tribuna do Norte

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