Por Luís Fernando Veríssimo
Como psicanalista, o dr. Abreu já tratara de muita gente estranha. Um paciente tentara esgoelá-lo e saíra do consultório diretamente para o manicômio. Outro contara em detalhes toda a sua vida, que o dr. Abreu não demorara em identificar como sendo a vida do Thomas Edison. Por isto o dr. Abreu não se surpreendeu quando a primeira coisa que aquela nova paciente disse foi:
- Eu posso não estar aqui.
O dr. Abreu pediu, sorrindo, para ela explicar. Ela disse:
- Eu nunca sei se estou sonhando ou não estou. É por isto que eu estou aqui.
- Então você está aqui - disse o dr. Abreu.
- Se eu não estiver sonhando. Eu posso estar na minha cama, dormindo, e sonhando que estou aqui.
- O que não a impede de falar, e me contar os seus problemas.
- Meu problema é um só. Não consigo distinguir sonho de realidade.
- Muito bem. Vamos supor que isto seja um sonho. Que eu também não esteja aqui, e sim no seu sonho. Podemos fazer a sessão assim mesmo. Com a vantagem que você não precisará pagá-la, já que é tudo um sonho.
- O senhor acha?
- Acho. Deite-se, por favor.
- Aqui, no divã?
- Por favor.
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O dr. Abreu pediu para ela contar desde quando confundia sonho com realidade. Ela respondeu que desde criança. Ela se lembrava de algum trauma de infância que pudesse ter desencadeado a confusão? Não, não. Na verdade sua infância tinha sido um sonho. Ou então ela sonhara que tinha sido um sonho. Era difícil dizer.
- Você nunca fez um teste para saber se era sonho ou não?
- Como, teste?
- Por exemplo, tentar fazer uma coisa completamente impossível. Voar. Sair voando pela janela. Se você conseguir voar, é sonho. Se não, não é.
- Me belisque.
- Como?
- É um teste. Me belisque. Se eu sentir, não é sonho.
- Desculpe, mas eu não posso beliscá-la. Não posso tocá-la. Seria antiético.
- Só se não fosse sonho. Se fosse, não teria importância. Sonho não tem ética, não tem moral, não tem regras, não tem lógica. Num sonho nada é impossível, nada é proibido. Me belisque.
- Não posso.
- Você não quer me ajudar? Seria um beliscão terapêutico. Para acabar com as minhas dúvidas.
- Desculpe.
- Você prefere que eu tente sair voando pela janela. É isso?
- Não, eu....
- A verdade é que você não tem certeza se isto é um sonho ou não. É ou não é?
- Claro que não. Eu tenho certeza que isto é a realidade.
- Então me belisque, para provar.
- Não.
- Me belisque!
- Não posso.
- Me belisque!
Naquele momento, o dr. Abreu pensou no seu velho sonho de largar a profissão se retirar para um sítio, longe da voz humana.
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