domingo, 18 de março de 2012

Vídeo game é utilizado como terapia de recuperação na casa Durval Paiva

Fernanda Zauli, especial para O Poti
Aline tem sete anos de idade. Ela nasceu com uma doença chamada epidermolise bolhosa que causa bolhas e dificulta a cicatrização de machucados. A doença também impede o desenvolvimento dos membros e por causa disso ela não tem os dedinhos das mãos. Desde sempre Aline anda com diversas partes do corpo enfaixadas, uma forma de ajudar na cicatrização de algumas feridas e evitar a formação de outras. Com medo de se machucar ela sempre evitou brincadeiras que tivessem contato físico ou que oferecessem qualquer risco, por menor que fosse, à sua delicada pele. A mãe conta que Aline era calada, insegura, e relutava em interagir com outras crianças. Mas, há um ano, a vida de Aline começou a mudar. Uma terapia desenvolvida na Casa de Apoio à Criança com Câncer Durval Paiva ajudou na socialização de Aline e a transformou em uma menina sorridente, serelepe e participativa. O vídeo game é utilizado para auxiliar no desenvolvimento psicomotor dos pacientes.

O tratamento consisteem deixar a criança jogar. Parece simples, mas o vídeo game proporciona muito mais do que diversão para quem está em tratamento. "Aqui na Casa o maior objetivo da gente é proporcionar aos pacientes independência e autonomia com qualidade de vida. A gente cuida de crianças que tiveram a ruptura de sua rotina, que muitas vezes deixou de ser uma criança ativa e passou a ser uma criança passiva, dependente. A terapia Wii, com o console Nintendo Wii, ajuda na busca desse objetivo porque atua nas áreas física, cognitiva, social, é um recurso muito bom, novo no mercado, é uma ferramenta de reabilitação virtual", explica a terapeuta ocupacional Alessandra Moreira, responsável pela implantação.

A terapeuta complementa: "A terapia trabalha a coordenação motora da criança porque na dança, por exemplo, é preciso ter controle dos movimentos, em outros jogos como golfe ou boliche é preciso ter mira. A criança quando fica hospitalizada, acaba perdendo algumas habilidades em função da doença, em função do tempo de internamento, então a gente usa jogos específicos dentro dos limites de cada criança",

Os jogos aplicados na terapia variam de acordo com as necessidades de cada criança e vão desde boliche, vôlei, basquete, a jogos de dança e yoga. Os preferidos de Aline são os jogos de dança. No dia dessa entrevista ela chegou na Casa Durval Paiva se dizendo cansada, com dor nas pernas, mas quando a mãe disse que era dia de "Wii" Aline se animou na hora. Com desenvoltura e sem nenhum sinal de timidez ela dançou, pulou, rebolou, por mais de duas horas, sem parar. "Foi só eu dizer que ela ia jogar que até a expressão do rosto dela mudou", contou a mãe, Célia Costa, de 37 anos.

Adaptação

Quem conhece o vídeo game em questão sabe que ele funciona a partir de comandos de um controle, o que poderia ser um empecilho para Aline já que ela não tem os dedinhos das mãos. Poderia, mas não é. A terapeuta ocupacional Alessandra Moreira prende o controle nas mãos de Aline amarrando com o auxílio de faixas e esparadrapo. A partir daí é só começar ajogar. "Essa adaptação que a gente fez para a Aline conseguir jogar é uma tecnologia assistiva a partir do momento em que é utilizada para assistir à necessidade dela. Ela já precisava de um adaptador para se alimentar, pegar as coisas, abrir a geladeira, e agora para jogar", afirmou a terapeuta. A mãe da pequena Aline, Célia Costa, 37, se diz surpresa com o desenvolvimento da filha com a introdução da "terapia Wii" no tratamento. "Ela era muito travada, tinha muitas limitações, com o vídeo game ela começou a dançar, foi se soltando, começou a ter mais controle sobre seus movimentos, esse tratamento é uma benção", disse.

Alessandra Moreira explica que o vídeo game é apenas um dos recursos da terapia ocupacional que podem ser utilizados no tratamento das crianças da Casa Durval Paiva. Segundo ela, não é possível substituir uma terapia convencional somente por Wii. "A reabilitação virtual veio a somar com a terapia ocupacional, não quer dizer que com Aline, por exemplo, eu trabalhe só com o Wii. Esse é apenas um recurso dentro das várias opções dentro da terapia ocupacional".

Resultados a olhos nus

As mudanças no comportamento de Aline após o tratamento com a terapia Wii são perceptíveis a todos que convivem com ela. A própria terapeuta ocupacional se emociona ao falar das conquistas da menina. "Aline é uma vitoriosa, é uma guerreira, ela nunca reclama, dificilmente você vai ver Aline reclamar. Ela se desenvolveu muito com o auxílio da terapia Wii, desde o andar até o ritmo, ela não tinha tanto ritmo e isso prejudicava o andar. Ela era muito insegura no sentido de que 'eu vou cair, vou me machucar e vai doer'. Então era tudo muito protegido para ela e ela acabava não interagindo com as crianças, só brincava se fossem brincadeiras sedentárias, sentadas, que não tivessem risco para ela. E hoje em dia não, Aline está aqui dançando, brincando. Os ganhos foram muito além do que eu imaginava, começou com uma simples readaptação e passou para uma coisa totalmente diferente. A autoestima dela melhorou muito", avalia Alessandra.

As limitações de Aline ainda existem, mas muitas foram superadas a partir do tratamento. Alessandra explica que no vídeo game ela não corre o risco de se machucar e por isso desenvolve as atividades com mais segurança. "Ela vai querer ganhar o jogo então vai se esforçar ao máximo para alcançar o objetivo dela: ganhar, sem medo de se machucar. Em contrapartida ela vai estar brincando, no meio lúdico, e isso facilita que ela mantenha a assiduidade nas terapias, a freqüência, porque quem não quer se reabilitar brincando? Isso é maravilhoso, eu consigo com a brincadeira ajudá-las a ganhar independência, autonomia e qualidade de vida".

Muita gente pode estar se perguntando porque a terapia não utiliza o vídeo game X-Box que não precisa sequer de controle. A terapeuta ocupacional tem a resposta na ponta da língua. "O X-Box escanea a pessoa, então imagine a situação de um cadeirante, por exemplo. Ele será escaneado pela metade, o X-Box não vai entender que a cadeira faz parte do corpo dele. E aqui na Casa nós temos muitos cadeirantes, amputados, e esse escaner acaba atrapalhando. No Wii não temosesse problema, é mais viável. No Wii mesmo que você não tenha os movimentos você consegue, como Aline que não tem as mãozinhas, mas joga boliche".

Trabalho voluntário e superação


A implantação da terapia ocupacional na Casa de Apoio à Criança com Câncer Durval Paiva começou com um trabalho voluntário. A gerente executiva da Casa, Neide Filha, explica que a partir da necessidade dos pacientes novos serviços começam a ser oferecidos na instituição. "A proposta da Casa é que a criança possa ser reinserida na sociedade com a menor seqüela possível. A terapia ocupacional, por exemplo, trabalha exatamente no sentido de que essa criança possa ter mais funcionabilidade, seus movimentos retomados, a questão da mobilidade. A gente atendia duas crianças, Aline e Mateus, que tinham essas dificuldades de mobilidade e percebemos a necessidade desse profissional na Casa", disse.

Foi então que, em março do ano passado, um anúncio no radio chamou a atenção da terapeuta ocupacional Alessandra Moreira: a chamada convidava voluntários da área de TO para atuar na Casa. Ela fez a entrevista e ficou. "A princípio o objetivo era avaliar quais recursos da terapia ocupacional poderiam ser incluídos no tratamento dos dois. O que vai diferenciar a terapia é a seqüela deixada pela doença e as informações que a família passa pra gente. Tudo é avaliado, desde a limitação da criança, o estado emocional, a necessidade daquele instrumento para a reabilitação, se é viável ou não. Se não for viável a gente vai para outro recurso. No caso deles, a terapia Wii foi um dos recursos sugeridos", contou Alessandra.

O tratamento deu tão certo que depois de um mês Alessandra deixou de ser voluntária e passou a fazer parte da equipe contratada da Casa. "Na faculdade eu fiz um trabalho de campo sobre câncer no Hospital Varela Santiago, mas não consegui terminar porque era muito sofrimento, eu só chorava. E por incrível que pareça o meu primeiro trabalho com carteira assinada foi aqui na Casa de Apoio à Criança com Câncer. Aqui eu me realizo não só profissionalmente, mas também pessoalmente, porque cada conquista é uma vitória não só para eles e para a família, mas para mim também. Eu superei o meu medo de trabalhar com crianças doentes. Para mim o câncer sempre foi uma doença associada à morte. E hoje eu não vejo dessa forma. Hoje eu vejo o câncer como possibilidade de mudanças no cotidiano, mas que se você souber lidar, se procurar o tratamento rapidamente você consegue a cura e sem seqüelas".

Sobre a CACC


A Casa de Apoio à Criança com Câncer (CACC) foi fundada em 1995 e hoje atende mais de 600 pacientes, oferecendo todas as refeições diárias, cerca de 2.400 refeições mensais, transporte para a realização do tratamento e exames, auxílio na compra de medicamentos, aquisição de próteses, visitas hospitalares, passeios, dentre outras atividades. A Casa Durval Paiva possui uma equipe multidisciplinar que conta com assistentes sociais, psicólogas, dentista, fisioterapeuta, nutricionista, médica, enfermeira, farmacêutica, pedagogas, instrutor de informática, arte educador, funcionários e voluntários dedicados à causa.


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