sábado, 20 de junho de 2015

PAIS E FILHOS POR ADOÇÃO: UM AMOR CONQUISTADO

*Lidia Natalia Dobrianskyj Weber
 
Em quase todos os tempos, culturas e civilizações sempre existiram e sempre existirão mães que, por inúmeras razões, abandonam ou entregam os seus filhos e, pessoas que, por não conseguirem ter filhos biológicos ou por razões humanitárias, criam, educam, amam e reconhecem como filhos crianças nascidas de outras mulheres. A humanidade sempre criou diversos arranjos sociais para o estabelecimento de outros tipos de dinâmicas familiares que não aquelas embasadas por laços de sangue. Atualmente a adoção é compreendida como a melhor maneira para proteger e integrar uma criança em uma família substituta.

Faço pesquisas sobre "abandono e adoção" de crianças no Brasil há mais de dez anos e continuo surpreendendo-me com o fato de que, apesar da adoção existir desde os primórdios dos tempos, ainda hoje repete-se o estereótipo que "filhos adotivos dão problemas, cedo ou tarde" ou "uma mãe nunca vai gostar do seu filho adotivo como gostaria de um filho da barriga. Isso tende a ser reforçado pelo sensacionalismo de casos dramáticos através da mídia e até pela inadvertida generalização de casos clínicos por parte de muitos psicólogos e psiquiatras, que publicam artigos e falam em congressos que "a perda dos pais biológicos é irreparável" e, conseqüentemente, determinante de todos os problemas.
A "cultura dos laços de sangue" é tão presente que faz com que as pessoas acreditem que estes laços são os únicos "fortes" e "duráveis" por serem "naturais" e "verdadeiros". Quando se fala comparativamente de famílias adotivas e não adotivas, geralmente são utilizadas as expressões: família adotiva versus família natural; ou filho adotivo versus filho verdadeiro, denunciando o preconceito por trás das palavras. Isso quer dizer que a filho adotivo não é nem "natural" nem "verdadeiro"? As pessoas perceberiam o ridículo se dissessem que o filho adotivo é artificial e falso... Em disputas judiciais sobre a guarda de crianças, as mães biológicas sempre têm preferência, mesmo quando abandonam seu filho e ficam longos anos sem dar a menor notícia, como acontece freqüentemente. Mesmo quando deixam seu filho em instituições e internatos durante anos a fio sem sequer fazer-lhe uma visita, o Ministério Público e o Poder Judiciário entendem que são essas famílias as detentoras do "pátrio poder", ou seja, a tutela legal dessa criança.

Geralmente os técnicos desta área (psicólogos, assistentes sociais, juizes) ressaltam que as pessoas que desejam adotar precisam de muita preparação, que devem desejar muito um filho, não terem motivações "inadequadas", tais como escolher o sexo do filho, ou não elaborar primeiramente o "luto" de sua própria esterilidade etc., senão "a adoção não vai dar certo". Até um certo ponto esses fatores podem contribuir para uma relação saudável. No entanto, ninguém fala da preparação que pais biológicos também deveriam ter. Quantas pessoas têm filhos "por acaso", ou "para salvar um casamento", ou fazem inseminação in vitro "para poderem escolher o sexo da criança"? Essas motivações seriam "adequadas" simplesmente por virem de pais biológicos?

Ao longo desses anos tenho encontrado a maioria absoluta das famílias adotivas tão "normais" quando às biológicas, e algumas até muito mais especiais. Gostaria de afirmar a diferença entre uma família adotiva e uma biológica é simplesmente a contingência pela qual foram formadas, mas a sua a essência e sua importância são exatamente as mesmas. Os pais e filhos por adoção não são cidadãos de segunda categoria e devem assumir-se por inteiro, sem culpa e nem vergonha. Afinal, os "laços de sangue" e o tão falado "instinto materno" nem sempre garantem uma boa relação. Afinal, quantas crianças são abandonadas, ou jogadas em terrenos ou latas de lixo pela suas mães biológicas? E quantos pais maltratam e espancam crianças "de seu próprio sangue"? Todos nós sabemos que o amor não está condicionado a laços genéticos; mesmo o amor de pais e filhos, sejam eles biológicos ou adotivos, é sempre construído sendo que esta conquista pode ser a longo prazo ou pode ser um "amor à primeira vista". Alguns depoimentos mostram essa conquista:
· Nosso amor foi um amor conquistado e o meu filho nos adotou também (Paulo, pai por adoção).
· Tenho muito orgulho de dizer que as minhas filhas são filhas do coração";
· "me sinto feliz, orgulhosa e enriquecida pelo fato de ter filhos adotados";
· "tenho orgulho em dizer que tenho um filho adotivo e voto que as pessoas peguem carona no meu orgulho: meu filho também já tem orgulho em dizer que é adotivo";
· "tenho prazer em dizer que minha filha é adotiva; foi um presente de Deus";
· "sinto orgulho de ser mãe, independente do meu filho ser adotivo; ser mãe é bom demais";
· Tenho muitas satisfações, realizações e gratificações em minha vida mas nenhuma se compara a satisfação e alegria que meu filho me proporciona (Beth, mãe por adoção).
· Eu os amo muito, muito mesmo, meu pais e meus dois irmãos; eles sempre me trataram como a princesa da casa. São ótimos, e eu não vivo sem eles (Roberta, 13 anos, filha por adoção).
· Sinto amor por meus pais. Fui gerada no coração deles! (Maria, 15 anos, filha por adoção).
· Tirando a parte genética completamente, não conseguiria me imaginar com outros pais nem mesmo os biológicos (Bruno, 16 anos, filho por adoção).
 
* Psicóloga, Professora da UFPR (graduação e pós-graduação) e Coordenadora do Projeto Criança, Mestre e Doutora em Psicologia pela USP; membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-PR

 

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