segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O roubador de calcinhas

*por Eudes Quintino de Oliveira Júnior
 
A cidade ficou em polvorosa depois que o jornal publicou a notícia que um rapaz, fazendo uso de arma de fogo, ameaçava mulheres e roubava suas calcinhas. Todo mundo achou estranho e era um fato que causava certa preocupação para as moças, que passaram a desconfiar de todos os homens que encontravam pelas ruas. Principalmente dos mais moços e dos mais ousados, acostumados a fazer comentários a respeito do corpo feminino. Qualquer manifestação, assobio ou exclamação já era motivo para ser considerado suspeito.

A polícia, após a apresentação das primeiras vítimas, iniciou a investigação, mas contava somente com informações pouco precisas. Nem prova pericial foi requisitada, vez que ausente o corpo de delito. Umas diziam que se tratava de um rapaz moreno, de forte compleição, aparentemente gago ou, se não fosse, demonstrava muito nervosismo no ato da subtração, pois falava repetidamente as palavras de ordem. Outras, apelando para uma narrativa mais romântica, asseguravam que se tratava de um jovem com boa aparência, que fazia uma abordagem educada, mas comprometida com seu propósito e evitava a exibição da arma, embora confirmasse que a portava.

Dava até a impressão que dois assaltantes diferentes, porém com o mesmo modus operandi, agiam com idênticos objetivos. E as notícias circulavam e engrossavam os comentários na cidade, fazendo com que os moradores fossem tomados por um inconsciente coletivo e em qualquer reunião ou um simples encontro na rua, fosse obrigatoriamente abordado o tema do roubo das calcinhas. Teve até o relato de que uma moça, vestindo calça jeans bem agarrada ao corpo, foi rendida pelo assaltante, circunstância que, certamente, dificultaria o acesso à veste íntima feminina. Mas o roubador não se fez de rogado diante da aparente dificuldade. Trazia consigo uma tesoura e cuidadosamente picotou a calcinha, retirando-a com sucesso. A vítima, em entrevista posterior, declarou que não se sentiu ameaçada nem pela arma de fogo e nem pela tesoura, e esclareceu ainda que colaborou com o roubador na retirada da lingerie.

O direcionamento das notícias e comentários davam conta de que a abordagem do assaltante era despojada de qualquer tipo de agressão, fato que proporcionava certa tranquilidade às mulheres, justamente por conhecerem a sua verdadeira intenção. Passou a ser chamado de "serial panties" pela imprensa local. Vários profissionais da área da saúde foram entrevistados e procuraram desenhar o perfil criminoso do assaltante, deixando a entender que se tratava de um psicopata e assim agia para colecionar as peças íntimas, exibindo-as como troféus, com a intenção de alimentar cada vez mais suas fantasias sexuais, sem, no entanto, praticá-las com as vítimas. As autoridades da segurança, por sua vez, advertiam que, em caso de assalto, não fosse esboçada qualquer reação e imediatamente fosse entregue a calcinha. Antes ela do que a vida. E é bom que se diga que as lojas especializadas tiveram um considerável aumento em suas vendas.

Neste clima de insegurança coletiva, ocorreu um fato que distou de toda narrativa feita até aqui.

Uma enfermeira deixou seu serviço à noite e rumou para sua casa, ocupando a calçada de uma rua com pouco movimento. Apressava o passo porque a iluminação precária oferecia pouca luz em razão das copas das árvores que praticamente encobriam os postes. Foi aí que, do interior de uma casa em construção, surgiu abruptamente à sua frente um homem exibindo uma arma de fogo e falando apressadamente que se tratava de um assalto.

A enfermeira, com a calma natural de sua profissão, atinou que se tratava do roubador de calcinhas. Ponderou a ele que deixasse o revólver sobre o muro, pois bem conhecia sua intenção e iria facilitar seu trabalho. Assim foi feito. Passou, em seguida, a retirar a calcinha e delicadamente fez a entrega a ele, aguardando pelo menos um agradecimento. O homem, que nada entendia, de forma grosseira foi gritando que não pretendia fazer sexo com ela e sim levar seus pertences, além do que não tinha muito tempo para a execução de sua tarefa. Assim, subtraiu celular, uma quantia em dinheiro e alguns vales-refeição. Antes de sair, com um sorriso matreiro, deu uma piscadinha, devolveu a calcinha para a enfermeira e prometeu a ela que da próxima vez atenderia sua súplica sexual.

A enfermeira, também sem nada entender, ficou com a calcinha na mão...
 
* promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, Reitor da Unorp/São José do Rio Preto.

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