terça-feira, 11 de março de 2014

Especial STJ: Reflexão sobre a violência contra mulheres

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Índia tenta abolir ‘teste dos dois dedos’ para mulheres estupradas
Até um terço das meninas sofre violência na América Latina
Mulheres têm atendimento especial durante folia em Salvador

Publicadas às vésperas deste Dia Internacional da Mulher, as manchetes acima retratam os riscos a que ela está exposta em diversas sociedades. São provas de que a violência praticada contra a mulher não está limitada a uma cultura específica, mas é fruto de discriminação persistente, que se repete por sucessivas gerações, por todos os cantos do planeta, em histórias de medo e opressão.

Para estimular a reflexão sobre essa realidade na sociedade brasileira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai promover na próxima quinta-feira (13) a palestra “Lei Maria da Penha”, a cargo da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que foi relatora do projeto da lei na Câmara dos Deputados, em 2006.

O evento – programado para as 17h, no auditório externo do Tribunal – faz parte da série de palestras que o STJ vem promovendo em comemoração aos seus 25 anos de criação e instalação. As inscrições estão abertas e podem ser feitas aqui.

Números assustadores
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cinco mulheres foram agredidas no Brasil a cada dois minutos, em 2011. E pelo menos 7,2 milhões de brasileiras com mais de 15 anos de idade já sofreram algum tipo de violência doméstica. Um número que assusta e não mostra sinais de redução significativa.

“A violência contra a mulher desconhece as barreiras geográficas, étnicas, religiosas, de classe ou de instrução”, afirmou a deputada, em artigo publicado sobre o tema. Entretanto, acredita ela, “não é característica de um país avançado apresentar altos índices de violência contra a mulher”.

Os constantes relatos de abusos ocorridos no mundo mostram que a violência contra a mulher chega a ser constante e banal, uma prática que enfraquece seu caráter e a fragiliza, inclusive no trabalho e na relação com o próprio parceiro.

Estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde, publicado em 2012, aponta que 15% das mulheres no Japão e 70% na Etiópia e no Peru relataram violência física ou sexual por um parceiro íntimo. Estudos indicam ainda que a primeira experiência sexual de muitas mulheres ocorre de maneira forçada: o índice chega a 30% em Bangladesh e 40% na África do Sul.

Realidades semelhantes
A realidade brasileira também se reflete no grande número de processos que chegam ao Poder Judiciário. Antes da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), os casos eram julgados pelos juizados especiais e os acusados recebiam geralmente como pena o pagamento de cestas básicas.

Hoje, a lei estabelece que os crimes sejam apurados em inquérito e remetidos ao Ministério Público. Os agressores são julgados nos juizados especializados ou, nas cidades onde eles ainda não existem, nas varas criminais comuns.

A deputada Feghali acredita que a solução pode ser encontrada na aplicação da lei. “Em oito anos da Lei 11.340, nós avançamos em muitas frentes”, diz ela. Primeiro veio o conhecimento sobre esse novo direito da mulher, depois a conquista de maior espaço nas instituições do estado: delegacias, juizados e órgãos de proteção. “Mas ainda falta evoluir na interpretação”, acrescenta a deputada.

Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos cinco anos que se seguiram à promulgação da Lei Maria da Penha, foram julgados nas diversas instâncias 110,9 mil processos sobre violência contra a mulher, de um total de 331,7 mil que estavam em curso. Foram feitas no período 1.577 prisões em flagrante e designadas mais de 120 mil audiências, com mais de 93 mil medidas de proteção concedidas. Atualmente, só no STJ, há 445 processos em curso sobre o tema.

Proteção ampliada
Em uma de suas últimas decisões sobre o assunto, o STJ admitiu a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha em ação civil, sem existência de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor. A importância dessa decisão é que ela amplia as possibilidades de prevenção da violência doméstica contra a mulher, ao permitir a adoção de medidas judiciais de natureza não criminal, pois em geral a ação do estado só se dá depois que a agressão é cometida.

Para a deputada Jandira Feghali, a recente aplicação da Lei Maria da Penha em ação civil é um grande passo: “Você parte da garantia da lei sem queixa-crime, o que torna céleres medidas protetivas às vítimas de violência doméstica.” Segundo ela, “a decisão do STJ é um grande diferencial e, ao mesmo tempo, um balizador nacional”. A deputada acredita que o Judiciário precisa avançar na garantia da prestação jurisdicional e interpretar a lei sem distorcê-la ou anulá-la.

Até julho de 2012, o Brasil possuía 66 unidades judiciárias exclusivas para casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. O CNJ aponta que o número de varas e juízes específicos precisaria aumentar em 82% para atender à demanda, que não para de crescer.

Segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, 98% da população brasileira já ouviu falar na Lei Maria da Penha e 70% considera que a mulher sofre mais violência em casa do que em espaços públicos. Entre janeiro e junho de 2013, a Central de Atendimento à Mulher contabilizou 306.201 registros de agressões.

Vontade da mulherOutra contribuição importante do STJ sobre o tema da violência doméstica contra a mulher foi a decisão de que o boletim de ocorrência basta para evidenciar a vontade da vítima de ver o agressor processado (HC 101.742). A jurisprudência aponta ainda que é admitida a aplicação da Maria da Penha não só quando o caso envolva relação conjugal, mas sempre que a mulher seja o lado frágil, mesmo em crimes praticados contra cunhada ou irmã, por exemplo.

Entre as principais agressões notificadas em 2011, segundo dados do Ministério da Saúde, estão as agressões físicas (78,2%), seguida por violência psicológica (32,2%) e sexual (7,5%). A maioria das agressões ocorre dentro da própria residência (60,4%) e os homens com os quais elas se relacionam ou se relacionaram estão entre os principais agressores (41,2%).

As hipóteses definidoras do crime contra a mulher estão previstas no artigo 5º da lei: qualquer agressão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, dano moral ou patrimonial, no âmbito doméstico, familiar ou em relação íntima de afeto.

Estupro e homicídioNa palestra a ser proferida pela deputada no próximo dia 13, o público vai poder refletir especialmente sobre a banalização da violência em relação à mulher. Segundo estatística apresentada no “7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, no último ano, o número de estupros contra mulheres subiu 18,17% em relação a 2012. Em todo o país foram registrados 50,6 mil casos, o que corresponde a 26,1 estupros por grupo de cem mil habitantes. Em 2011, a taxa era de 22,1 mil.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os estados com maiores índices de homicídio contra a mulher são Espírito Santo (11,24 em cem mil mulheres), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Por sua vez, as taxas mais baixas foram observadas no Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).

Entre 1980 e 2010, foram assassinadas mais de 92 mil mulheres no país, segundo o “Mapa da Violência 2012”, divulgado pelo Instituto Sangari. Já o “Mapa da Violência 2013″, publicado pelo mesmo instituto, revelou que, de 2001 a 2011, o índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2%, com a morte de 48 mil brasileiras no período.

As estatísticas mostram que, por trás do homicídio de mulheres, está a prática anterior de alguma outra forma de violência. Quando não se combate a primeira agressão – muitas vezes uma agressão psicológica –, geralmente se segue outra, e depois outra, numa escalada cada vez mais com maior gravidade, até o homicídio.

MachismoEsse ciclo de violência, geralmente, está associado a uma cultura machista, existente em escala global, e nem sempre a mulher se dá conta da situação em que está envolvida, buscando explicações no seu “eu” quando o problema está no outro ou na própria relação.

O psicólogo Fábio Pereira Angelim, que defendeu tese de doutorado sobre o tema, em 2009, na Universidade de Brasília (UnB), acredita, por exemplo, que nem sempre a situação da vítima se resolve com apoio clínico. “É necessária intervenção do estado, com medidas de proteção”, diz.

Pesquisa do Instituto Avon informa que, de cerca de mil homens entrevistados, 89% consideram inaceitável que a mulher não mantenha a casa em ordem e 37% acham que, por causa da Lei Maria da Penha, as mulheres os desrespeitam mais. Fábio Angelim acredita que a questão da violência contra a mulher deve ser entendida também numa perspectiva de gênero. “A mulher submetida à violência dificilmente se encontra em pé de igualdade com o parceiro”, aponta.

Segundo um último dado alarmante, divulgado pelo CNJ no documento “Atuação do Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha”, o Brasil está em nono lugar no ranking de homicídios contra mulheres.
 
- transcrito do site do STJ

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